Quando eu era criança (lá nos meados do século passado) em quase toda a casa tinha uma máquina de costura, e mesmo que não tivesse, toda mãe costurava, ao menos, as roupinhas básicas para sua prole.
Eu me lembro nitidamente de uma vizinha que tínhamos, “Dona Cleide”, uma senhora simples, pessoa mais para calada, muito humilde, que tinha três filhas já mocinhas e um garotinho, “raspinha de tacho”, como ela dizia. Ela não tinha máquina de costura, e ainda assim fazia até mesmo as roupas de escola dos filhos, todas à mão.
Passei longas e deliciosas horas sentada ao lado dela, vendo-a costurar, ponto por ponto, com presteza e segurança, calmamente, sem pressa, como se cada um daqueles pontos fosse um doce beijo, um abraço apertado, um carinho feito no filho que mais tarde iria usar aquela roupa.
Eu tinha talvez uns 11 ou 12 anos, e adorava sentar-me ao lado da Dona Cleide, no terraço da casinha singela e muito limpa em que ela morava, costurando as roupinhas das minhas bonecas enquanto ela costurava para a família e me contava, algumas vezes com os olhos marejados, histórias sobre a sua infância na colônia de uma fazenda distante, onde fora criada, da qual ela sentia infinitas saudades e para qual, segundo ela, “ainda ia voltar antes de morrer”.
Na minha casa tínhamos máquina de costura: minha mãe costurava, assim como minha avó, assim também como a maioria das mulheres daquela época, todas instruídas desde meninas nas “habilidades do lar”, e muitas vezes eu propus para Dona Cleide que ela usasse a nossa máquina, que isso certamente agilizaria as costuras dela: mas ela sempre recusava.
Naqueles momentos eu tinha – e ainda tenho – a impressão de que ela sentia um infinito prazer em fazer ela mesma cada um dos pontos, com seus dedos já tão alquebrados pelas lutas do dia a dia, sabendo que aquela linha tão bem posicionada em pontos alinhados sobre o tecido, estariam segurando a roupa simples que envolveria em um abraço de mãe afetuosa, seus tão amados filhos.
Para os meus olhos infantis, a costura dela era perfeita e linda: pontos pequenos, todos do mesmo tamanho, tão simétricos e alinhados que mais pareciam um ornamento do que uma costura, como um colar de pequeninas pérolas ali posto sobre o tecido.
As casas dos botões eram feitas com um caseado tão bem feito que dava vontade de emoldurar e colocar na parede. E ela mesma fazia os botões! Pegava aquela arruelas metálicas furadinhas no meio, cobria com o tecido, costurava um pedacinho de tecido atrás para fazer o acabamento, depois fazia uma alcinha em caseado, para poder costurar os “botões“ nas roupas. Eu, claro, me encantava, e na minha profusa imaginação infantil, Dona Cleide era algum personagem mágico dos contos de fadas, disfarçado de dona de casa.
Alguns poucos anos depois minha família mudou-se de cidade, e nunca mais voltei a ver a Dona Cleide, mas a lembrança dela ali sentada, pequenina, magrinha, sempre com um sorriso nos lábios e um lenço velho prendendo os cabelos que já se agrisalhavam, costurando com tanto amor aqueles tecidos rústicos para vestir os seus filhos, é uma das mais doces e belas lembranças da minha infância. E é, possivelmente, um dos fatores que me fez crescer amando a costura, e principalmente: costurando com amor.
A costura é, ao meu ver, uma terapia, uma utilidade, uma necessidade, e por isso mesmo, uma forma concreta de amar a nós mesmos e ao nosso próximo.
No decorrer da minha vida, as minhas mãos vestiram meus filhos, vestiram meu netos, vestiram a mim, e a tanta gente que nem posso mais me lembrar, e eu nem ao menos sou costureira por profissão. Ponho-me a imaginar o tanto de alegria que as mãos habilidosas de uma costureira profissional levam para tantas e tantas pessoas: que profissão iluminada!
Nunca fiz cursos sobre modelagem ou costura, possivelmente entendo menos do assunto do que algumas das pessoas que estão lendo essa crônica, mas costuro, e penso que costuro bastante bem, porque eu gosto, realmente GOSTO de costurar.
Tenho imenso prazer em pegar um tecido e sentir entre os dedos a textura que ele apresenta; adoro sentir aquele cheirinho gostoso de tecido novo que acabei de comprar; fico completamente feliz cortando cuidadosamente aquele pedaço de pano que irá se transformar em uma peça linda e útil! E imagino, nos meus sonhos de olhos abertos, que a pessoa que irá vestir aquela roupa se sentirá tão feliz em usá-la, quanto eu me sinto em fazê-la.
E quando costuro, enquanto a minha máquina vai traçando os pontos perfeitos e simétricos que a tecnologia já permite, eu sempre lanço um pensamento ao passado, de agradecimento e amor à Dona Cleide, que docemente costurava à mão para suas crianças, que amava as agulhas, as linhas e os tecidos simples que permitiam que ela vestisse os seus filhos, que sempre me recebia com carinho e afetuosamente me chamava de “loira fadinha”, e a quem eu, menina sonhadora, chamava de “Dona Fada”.
Espero, Dona Cleide, que a senhora tenha finalmente podido voltar à fazenda da sua infância.
Obrigada a todos.
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Respostas de 21
Estou amando está neste grupo
Delicia de texto. Fez-me voltar no tempo.
Caiu um cisco aqui no meu olho . Lembrei tbem da minha vozinha tias e mãe, mi há mãe tbem costurou muitas roupinhas pra mim e meus irmãos na mão e sim os pontos eram perfeitos. Eu y em sentava ao lado dela pra fazer minhas roupinhas de bonecas. Obrigada dona Renata por partilhar tão linda história conosco. Vc é mesmo uma fada 🧚♀️
Que linda história, me emocionei muito, lembrei de minha avó , e minha mãezinha que estão no céu. Graças a elas eu também tenho essa paixão pela costura, Obrigada Renata Levy por essa história linda.
Que lembrança linda de sua infância. Minha mãe já fez uma blusa pra ela toda costurada a mão e ficou perfeita. Eu tbm amo costurar. Gosto muito de fazer seus modelos. Já fiz vários e fazem aquele sucesso. Obrigada por divido conosco seu conhecimento e suas maravilhosas criações.
Nossa eu já admirava, depois dessa crônica estou encantada , coisa boa é poder contar as lembranças de criança!! Parabéns e muita luz e saúde pra vc!!! Bjs
Dona Renata Levy é maravilhosa no faz fico encantada com as suas habilidades e com humildade em se dá pra nós pessoas anônimas e que a senhora se importa em nos ensinar, eu particularmente amo assistir seus vídeos e costurar seus modelitos lindos. Obrigado querida.
E muito bom lembrar as nossas história da infância
Linda , dona Fada!!! ❤️ Desde pequena vó minha mãe costurar, fiz alguns cursos no Senai , mas ainda acho que me faltam conhecimento para fazer uma roupa, para ficar com a perfeição como as suas…. Obrigada por repassar suas técnicas. ❤️❤️❤️
Que lindo texto!! Só aumentou minha admiração por essa pessoa maravilhosa!!
Se antes já te amava, agora isso aumentou consideravelmente,pensei que era costureira profissional,eu nunca estudei corte e costura mas,como disse minha mãe foi como vc,aprendeu por ser menina,hoje me realizocom suas artes lindas , obrigada e sei que estou apenas no primeiro degrau,subindo sempre me espelhando no melhor me oferecido por Deus.
E agora você Renata Levy é a nossa “Dona Fada” e nos somos suas fadinhas. Obrigada de todo coração!
Obrigada Dona Foda por nos ensinar e compartilhar conosco essa linda e maravilhosa história conosco 🌹🤣!
Minha mãe Vera costureira, sempre quis costurar e apesar de fazer vários cursos de corte e costura tinha muita dificuldade. Hoje professora aposentada faço dos tecidos meu entretenimento, também tenho uma neta e ao ser apresentada por uma amiga aos seus moldes passei a fazer roupas para ela. Parabéns que Deus lhe dê em dobro a felicidade que você espalha por aí.
Amei saber a sua história, Renata!
Linda lembrança e é exatamente o que a senhora faz por nós, minha gratidão será eterna
Voltei aos meus 14 anos tentando costurar na máquina de mamãe. Belíssimo texto. Parabens profe pelo dia de hoje e pela paciencia e delucadeza de atenção. Bjs
Você é simplesmente maravilhosa,!!!
Eu já havia lido essa crônica mas sempre que passo por ela leio novamente. Além de ser muito interessante, é muito bem escrita. Parabéns, Renata Levy! Sou sua fã de carteirinha.
Que linda história, e melhor ainda que esse sonho é dividido com todas nós o seu legado vai ficar por muitas gerações. Daqui a 100 anos a sua semente vai tar frutificando