Corte e Costura

Crônica de costura: o amor de uma costureira

Deixei de amar a costura.

De repente, me senti enojada da máquina. Olhava pra ela e estremecia de aversão. Só não a vendi porque gosto de colecionar máquinas de costura, a vida toda fui assim. Sonhei muito em ter esta máquina e paguei ela a duras penas. Então deixei-a ali, na minha frente. Mas abandonada.

Isto teve início há uns 5 anos, quando estive em depressão.

Não sei quando começou, nem como começou. Mas me descobri sem prazer de costurar. Tudo da costura era um sacrifício denso. Não compreendia como tinha costurado por anos e anos, como tinha amado fazer isto a vida inteira. Como este tinha sido meu hobby e, em outros tempos, meu sustento.

Ao costurar, entortava. Daí, dá-lhe desmanchar e refazer, a linha arrebentava o tempo todo. Quebrei várias agulhas, algo muito raro de acontecer em toda a vida.

Me aborrecia quando alguém pedia para consertar alguma roupa descosturada, fui juntando roupas a consertar sobre a máquina, em seguida sobre a tv que estava do lado dela, em seguida sobre a escrivaninha…

Quando ia gravar um vídeo era um sofrimento. A roupa demorava, não conseguia encaixar a câmera direito, a costura ficava feia. Tudo dava errado. Um dia, falei para minhas seguidoras que não sentia mais prazer ao costurar. Apesar de que, naquela época, estava longe de notar que tinha criado antipatia à costura.

Criei um curso de Alta Costura e não suportei passar do primeiro módulo. Porque eu não queria costurar. Porque costurar não era mais prazeroso, como antigamente tinha sido. Porque costurar era um sacrifício para o qual eu não estava disposta a me sujeitar.

Comecei a gravar vídeos sem conta e parei. Vídeos que nunca foram finalizados para serem postados no canal. Porquê não terminava, se a vida toda sonhei com isto? Porquê um acabamento perfeito não me atraía mais? Porquê agora, que tinha tempo, não tinha mais paciência para sentar à máquina?

Fiquei doente novamente. Desta vez estava com o corpo totalmente cansado. Não podia mais trabalhar até altas horas. Toda tarde tinha que me deitar. Todo trabalho que ia fazer me esgotava. Não podia fazer esforço. Não podia trabalhar por mais de uma hora sem dar uma pausa e deitar. Me sentia morrendo.

Minha filha me contou que viajaria a trabalho. Tínhamos acabado de nos mudar para uma casa muito boa, com um quarto lindo sobrando, para montar o atelier. Pensava: “Ela vai pra Curitiba, mas não tem um casaco bom… Tenho tantos tecidos mas não quero costurar. O quarto de costura não está pronto.” E deixei os dias passarem.

Um dia antes dela ir estava deitada na cama, sem querer me levantar. Divagando, lembrei de um sobretudo que tinha cortado há quase 4 anos atrás. Era mais um curso (de alfaiataria) que comecei e não finalizei, porque empaquei na hora de costurar. Levantei de um salto: “Vou terminar aquele sobretudo pra minha filha linda!”

Corri para encontrar o corte, todas as partes espalhadas nas caixas da mudança, o forro, as entretelas, os botões, as fivelas, as linhas… não achei as ombreiras, não achei uma parte das entretelas, não achei um detalhe do sobretudo. Mesmo assim, corri para arrumar uma beirada do quarto de costura, já que arrumar ele todo levaria três dias… limpei o chão apressada, aproveitei e limpei a casa. Às 14:30 estava pronta e de banho tomado para recomeçar. Sentei à máquina e foi mágico. Ela me disse:

“Olá, senti saudades…”

Respondi a ela: “Olá. Vamos reatar?”

Ela sorriu pra mim e eu sorri pra ela.

Ali restabelecemos nossa amizade e companheirismo.

Ali eu me confessei e a reconheci

Lembrei quem sou e quem ela é.

Neste momento voltei a amar minha máquina de costura.

Os pontos estavam perfeitos. Os pespontos saíram retos. As linhas não arrebentaram. A mente começou a viajar. Sonhei…

Sonhei com um futuro… sonhei com um amor… sonhei com uma viagem… sonhei com uma amiga… sonhei com uma festa… sonhei com uma colina… sonhei com a família… sonhei com meu pai… sonhei com meu filho… sonhei com minha filha…

Às 4:30 da manhã o sobretudo estava pronto, esticadinho no sofá. Lindo, pesado, alinhado, botões pregados, cinto passado.

Fui dormir. Me sentindo completa, novamente. Cansada, mas não esgotada. Em paz.

Renasci.

Costurar é uma terapia.

Costurar é uma arte.

Antonia Ferreira

Antonia Ferreira é Designer de Moda, criadora dos Grupos MODELAGEM e ESTILISTAS, no Facebook. Autora dos livros MODELAGEM FEMININO ADULTO e MODELAGEM MASCULINO ADULTO. Editora das revistas de Moldes Colecionáveis ANTONIA FERREIRA.

View Comments

  • Antônia! Que texto mais lindo, fiquei todo arrepiado, obrigado por presentear nossas leitoras(es) com essa crônica emocionante. Por favor não pare de escrever, por quê além da costura, esse também é um dom que você possui :)

    • Oh Junior muito obrigada pelo carinho ♥ e por abrir seu blog para mim. Prometo que vou escrever com mais frequência a partir de agora.

    • Amei seu texto me sinto assim às vezes e é bom saber que não estamos sozinhas.
      Parabéns amo seu trabalho quando crescer quero ser igual a você que Deus abençoe.

    • Que incrive!!!!!l
      Eu me sinto assim, tem dias que acordo, olho pra minha simples máquina doméstica e a acho a coisa mais linda do mundo, eu até abraço ela.
      As vezes não consigo chegar perto dela, cansada de consertar roupas todos os dias.
      Aí o melhor acontece, eu me apaixono por ela novamente.
      Que maravilha, pensei que só eu conversava com a máquina.

  • Menina ... também me.sinto assim as vezes fico 1 semana sem costurar , não tenho nenhum curso , aprendi o básico com meu esposo, não consigo aprender por vídeos e nem por moldes, mas já fiz vestido de noiva de madrinha, depois q passa esse semana q não consigo nem.olhar pra máquina, volto a costurar como nunca , com mais amor ainda, corto os tecidos e me entrego com mais cuidado e amor ainda .... amei ler os postou , por algumas vezes me senti assim , mas foi bom saber q passa , na vdd temos 1 dom, vc tem um dom, e dom é Deus quem da , e faz sermos assim indesistiveis, o Amor lela constura continua la , apenas precisamos respirar .

  • Que lindo!! Quem nunca sentiu esse desânimo? Graças a Deus isso também passa.

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  • Eu adorei a sua experiência ,o esforço do retorno da sua máquina abandonada e despreza,mas que em um dado momento,vc se despertou que tudo seria diferente se vc retornasse ao passado e terminasse o sobretudo que faria um dia,mas chegou o dia de vc terminá-lo e com alegria ao terminar teria endereço certo,seria pra sua filha e aí vc voltou a sorrir de novo e brilhar na costura como nunca e tudo de torna novo.Muito linda a sua realização.♥️

  • hoje estou exatamente assim de mal com minha maquina sem animo com serviço mas, sem vontade de nada.

  • Chorei lendo a Crônica. Que texto mais lindo!
    Sem palavras para definir o amor que tenho pela costura.

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