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Entrevista com Jum Nakao: a Costura do Invisível e a Humanização da Moda

Se você já ouviu falar em Jum Nakao, com certeza clicou neste post com ansiedade para ler tudo o que tem sobre ele aqui! Também, pudera! Jum Nakao é da moda: Jum Nakao é do design! Jum Nakao é da cenografia! Ele é da arte! Mas antes de chegarmos nessa parte, só um parêntese para […]

Entrevista Jum Nakao Clube da Costureira

Se você já ouviu falar em Jum Nakao, com certeza clicou neste post com ansiedade para ler tudo o que tem sobre ele aqui! Também, pudera!

Jum Nakao é da moda:

Foto: Jum Nakao

Jum Nakao é do design!

Foto: Jum Nakao

Jum Nakao é da cenografia!

Foto: Jum Nakao

Ele é da arte!

Mas antes de chegarmos nessa parte, só um parêntese para dizer como foi que chegamos a esta entrevista.

Este é um blog mantido pela Maximus Tecidos. Em março deste ano, a fundadora da marca, a estilista Inês Maximus, teve o privilégio de fazer os dois módulos de um curso conduzido por Jum Nakao, sobre modelagem tridimensional. Ela se encantou com o trabalho, com as ideias e com a história dele!

Inês é autodidata, aprendeu a costurar aos 9 anos de idade com a sua mãe, no sítio. E se transformou em uma renomada empresária do ramo de moda festa praticando e estudando por conta. Escolheu cursar o Ensino Superior só depois dos 45 anos e se formou em Psicologia. Nunca tinha buscado nenhuma formação acadêmica em moda, porque não encontrava um curso que efetivamente agregasse à carreira como modelista e costureira.

Foi então que o método e a didática de Jum Nakao mudaram essa visão. E, assim como ela se encantou, temos certeza que você também vai pensar a moda de uma forma diferente assim que conhecer mais sobre Jum. Por isso, tivemos essa honra de bater um papo extremamente produtivo com o renomado designer e diretor de criação.

Foto: Pinterest

Vamos logo avisando: o assunto é delicioso, é inspirador e faz a gente pensar muito 😉 Não tivemos coragem de cortar uma frase sequer! Vale muito a pena tirar uns 20 minutinhos do seu dia para degustar cada linha dessa entrevista! Ah, e, ao final, você descobrirá como fazer o curso que tanto surpreendeu a estilista Inês Maximus! Boa leitura!

👉 Conheça o projeto Pílulas do estilista Jum Nakao aqui!

A “Costura do Invisível” e a humanização da moda

Maximus Tecidos: Onde nasceu? Onde cresceu? Como foi sua infância e adolescência? Nessas fases, você já tinha despertado interesse por moda? Teve referências dessa área na família?

Jum Nakao: Nasci e cresci no Brasil. Respiro profundamente o meu país. Considero brasileiro tudo o que nasce ou é produzido aqui. Acredito no Made in Brazil. Precisamos apenas de valores e não nos valorizar, temos que trabalhar duro para chegar em algum lugar.

Na infância desmontava brinquedos, aparelhos eletrônicos, tudo que estivesse ao meu alcance na sede de compreender os mecanismos ocultos atrás dos movimentos, da imagem, do som, da mágica.

Queria compreender como as  coisas ganhavam vida. Sempre com muito cuidado, carinho e respeito por aquelas frágeis vidas que se abriam para me revelar seus segredos. Era muito importante trazer os brinquedos, aparelhos eletrônicos de volta à vida.

Passaram-se os anos e eu continuava a desconstruir o mundo. No seu devido tempo, a vida soprou a pergunta: “o que ser quando crescer?”

Tratava-se de uma pergunta com dupla implicação: hora de expandir ou limitar fronteiras?  Optei pelo caminho do meio, continuar a brincar trabalhando! Seria cientista, engenheiro, criaria novas ferramentas, novas interfaces, novas virtualidades, novos brinquedos. Decidi estudar eletrônica e computação.

Através da eletrônica e da computação, como novos meios, eu almejava interagir com o observador e expandir sua compreensão, propiciar novas relações com o entorno. O que de fato ocorre naturalmente hoje em dia, onde a presença e influência das novas tecnologias, como a internet, a eletrônica nas artes e o mundo virtual são realidades que mudaram a forma como as pessoas se relacionam e expandiram as possibilidades de compreensão do mundo exponencialmente.

Mas os estudos acadêmicos de eletrônica eram distantes dessas possibilidades. O ambiente acadêmico no Brasil era um terreno estéril para Jobs e Zuckebergs brasileiros. Decidi abandonar a eletrônica e a computação para interagir através de algo mais real e próximo: a moda.

O que me atraiu na moda foi a acessibilidade da linguagem: todos se vestem de alguma forma. Uma linguagem – forma de se expressar – muito simples, dinâmica e democrática, o oposto da complexidade formal da eletrônica.

Moda é o avatar mais elementar criado pelo homem. Espelho de devires, de sonhos e de realidade.

Moda é uma das ferramentas mais poderosas de identificação de um tempo, tempos de ideologias, de estéticas, de pensamentos, de mudanças.

Não se veste um corpo. Se vestem intenções. A roupa é somente uma interface. Uma conexão entre o meio interior e o exterior. Um avatar que escolhemos.

Passaram-se os anos, e a curiosidade e os meus objetivos continuam os mesmos, desconstruir, desmontar, entender, ressignificar, compartilhar.

Sobre referências dessa área na família, meu avô materno desenvolvia cosméticos e minha mãe montou um salão de cabeleireiros quando chegou em São Paulo. Quando montei minha primeira empresa, minha mãe se tornou minha costureira.

Maximus Tecidos: Quando decidiu se profissionalizar em moda?

Jum Nakao: Comecei a minha formação em moda numa época em que não havia faculdades de moda no Brasil.

Os cursos ligados à moda eram apenas corte, costura e modelagem. Fiz esses cursos, mas achei superficial. Descobri o CIT, Coordenação Industrial Têxtil, uma instituição que organizava cursos com professores e profissionais do Brasil e do exterior. Esses cursos eram destinados a capacitar os profissionais das empresas associadas. Por telefone, obtive algumas informações e fui convidado a assistir algumas aulas. A pessoa com quem eu havia falado ao telefone e me recebeu no primeiro dia de aula era, na época, o diretor do CIT, Carlos Mauro Fonseca Rosas. Durante uma semana assisti todos os cursos e ao final deste contato inicial com as disciplinas tinha uma convicção maior de minha escolha. Mas, como eu não era funcionário de nenhuma empresa associada ao CIT, não poderia participar dos cursos. Escrevi uma carta e consegui um estágio e uma bolsa na Rhodia, empresa associada ao CIT e pude frequentar os cursos.

Posteriormente trabalhei com um alfaiate para compreender a relação da geometria dos traçados com o corpo humano e na sequência trabalhei com um joalheiro para estudar os acessórios e complementos da roupa. Ainda assim sentia a necessidade de um fundamento acadêmico. Fui estudar artes plásticas na FAAP.

Maximus Tecidos: A sua biografia no site diz o seguinte: “Inicialmente acreditava que o suporte do seu trabalho poderia ser a eletrônica e a computação, mas abandona esse setor por considerar os estudos extremamente distantes do olhar humano”. A moda te proporcionou essa visão humanizada? Por quê?

Jum Nakao: Creio que o design necessário seja o design dos afetos. É imprescindível resgatar a capacidade das pessoas sonharem, se sentirem dignas e merecedoras do melhor.

O consumidor precisa, acima de tudo, considerar-se merecedor de algo melhor, digno de bons serviços, bons produtos, de semear através da sua compra um mundo melhor.

A questão principal, ao meu ver, diz respeito aos critérios de consumo e de valor. Vivemos em uma sociedade que historicamente sempre foi usurpada e explorada, onde todos sempre procuraram “tirar vantagens” explorando o outro. O mesmo comportamento se repete na atualidade. Consumidores procurando sempre o melhor preço, seja no mercado informal, na pirataria, nos piores locais, nas piores condições. O mesmo procedimento ocorrendo na outra ponta, onde comerciantes e indústrias exploram a mão de obra, espremem os produtores, procuram fornecedores com o menor preço, sem se importar com os procedimentos ou procedência. Animalizam-se as relações e o homem esquece que é homem. Come-se em coxos, se consome e se produz em meio à selvageria. O desejo de tirar vantagem em ambos os lados é saciado e o destino se encarrega de nos mostrar que tudo volta. Para remediar surgem novos termos: sustentabilidade, socialmente responsável, ecologicamente correto, economia solidária, produtos orgânicos, novos procedimentos estéticos, novos tratamentos, novos produtos, novos produtores, novos consumidores e o ciclo se repete.

É necessário se repensar, se reconectar com a essência humana que ficou perdida em algum momento dessa história. Merecemos o melhor e não o pior! O mais dedicado atendimento, o melhor produto, o mais artesanal, o mais natural, o produto e o serviço feito com amor, a materialização do que a humanidade pode produzir de melhor.

Infelizmente todos esses valores se tornaram secundários por números que passaram a definir nossas escolhas. Menor preço, maior prazo, mais rápido, maior quantidade.  Nos tornamos devoradores e reféns desses números e esquecemos de como desfrutar o conteúdo, o invisível, a experiência.

Não apenas a moda, mas qualquer produto ou serviço podem resgatar a dignidade humana. Basta coragem e fé.

Maximus Tecidos: Você se lembra da primeira peça que criou e de todas as emoções/referências que embutiu nela?

Jum Nakao: Nas minhas primeiras criações eu era muito jovem e não tinha conhecimento técnico de modelagem suficiente, sequer noções de conceitos criativos ou de direção de criação.

Modelar é a gramática da criação. 

Seu conhecimento é libertador. Em geral os criadores estão confinados em pensar dentro do “quadrado”, a desenhar (sonhar) dentro de fórmulas prontas. Se inspirar é decupar a referência, entender a sua construção de significado e reformulá-la para novos fins.

É fundamental se inspirar, ter referências, repertório para articular uma linguagem, afinal, não há como colocar para fora sem colocar para dentro. Nas minhas primeiras criações faltavam essas bases.

O principal é linguagem, intenção de significado. Somente após definir o que deve ser dito é que se justifica a escolha das palavras. Essa escolha deve ser em função das percepções desejadas e não em função das tendências.

Ao longo do caminho evoluí e hoje compartilho o que aprendi.

Maximus Tecidos: Você atua também em outras áreas criativas. Quando se descobriu artista/diretor de arte? E como é conciliar essas atividades?

Jum Nakao: Em 2004, realizei aquele que foi o meu último desfile no SPFW, A Costura do Invisível, o desfile de roupas de papel.

Após esse desfile, encerrei as atividades da minha confecção. Não tinha planos e interrompia 25 anos dedicados à indústria da moda.

Quando decidi parar de confeccionar, uma das minhas assistentes me questionou o que eu faria com todo o conhecimento acumulado ao longo de 25 anos trabalhando com moda. Fiquei um pouco atônito com essa indagação. Entrei no mundo acadêmico por acaso, fui dar uma palestra na FAAP sobre meus trabalhos e o diretor que assistia a palestra me cumprimentou ao término dizendo que eu tinha talento para dar aulas. Daí surgiu o convite. Fiquei muito contente e honrado: voltar para a faculdade onde estudei agora como professor e saber o que fazer com o conhecimento conquistado.

Dar aulas é um momento mágico, onde transformamos pessoas ensinando, voamos de mãos dadas com os alunos para que eles descubram suas asas.

Adoro fazer Direção de Criação se estendendo ao figurino. Me sinto confortável dentro desta diversidade de atuação. Creio que ter um leque de opções de expressão e realização seja melhor do que estar restrito à uma única linguagem, confinado dentro de um único mapa. Alçar voos diversos me confere uma visão privilegiada que me permite redesenhar novas geografias.

A convite de fundações, museus, instituições e por empreendimento de nossa própria empresa semeio o saber através de exposições, projetos nas mais diversas áreas, palestras e workshops.

Designer que faz arte ou um artista que faz design, diretor de criação ou professor. Diante da complexidade, prefiro ser indefinível do que definido.

Maximus Tecidos: Entre todas as coleções e produções para espetáculos, TV, marcas… Existe algum trabalho que te marcou mais?

Jum Nakao: A Costura do InvisívelO Desfile de Roupas em Papel.

Até 2004, havia um descompasso entre a ascensão dos eventos de moda e a desaceleração do setor moda no Brasil. A efervescência gerada pelos eventos não refletia a crise de longa data instaurada no setor que chegava em 2004 ao seu ápice.

Nesse cenário, propusemos uma pausa, através de um rasgo na linearidade, com  A Costura do Invisível – O Desfile de Roupas em Papel.

A Costura do Invisível recebeu o título de desfile da década pelo SPFW e foi reconhecido como um dos maiores desfiles do século pelo Museu de Moda da França.
É referência nas mais importantes publicações sobre Moda e Design do Mundo e integra acervos internacionais de museus de arte e moda.
A Costura do Invisível encanta porque modela sonhos e possibilidades, costura visível e invisível, borda permanência na efemeridade. Tudo em papel.

Costura visível e invisível ao revelar através do rasgo (no final do desfile todas as roupas foram rasgadas e deixaram de existir), que além da forma deve haver conteúdo, que por detrás de cada palavra deve existir um pensamento, pois o conteúdo sobrevive mesmo depois que a forma desaparece e os pensamentos reverberam em nosso pensamento mesmo depois de pronunciadas as palavras.

Borda permanência na efemeridade ao vestir sem existir, veste pessoas em seus pensamentos. A coleção de papel foi inteira rasgada em seu lançamento sem uma roupa sequer posteriormente ter sido produzida, e perdura através dos tempos como referência maior de moda.

Assim como estrelas que morrem, mas deixam rastros de luz pelo espaço, precisamos compreender que nossos atos são como efêmeras centelhas no infinito, brilham para sempre, têm permanência no tempo e espaço.

Maximus Tecidos: Sua técnica de modelagem é amplamente conhecida e admirada. O que a torna diferenciada?

Jum Nakao: Criei a Metodologia Jum Nakao de Modelagem nos anos 90 para atender uma demanda criativa: desenvolver moldes com perfeição e resgatar o preciosismo das técnicas de construção de “corseleteria”. O resultado foi tão impressionante que pela primeira vez na história, a NIKE, gigante do segmento esportivo e vestuário – maior faturamento global – estabeleceu mundialmente um contrato com um designer para uma linha premium: JUM NAKAO for NIKE.

A Metodologia Jum Nakao de Modelar considera que a moda assim como todo e qualquer design que nos cerca é uma extensão de nosso corpo, nossa segunda, terceira, quarta pele.

A metodologia nasceu da percepção de que todos são capazes, basta compreender os princípios e não se ater às regras. Descobrindo a lógica, estamos libertos para criar nossas próprias regras. O grande acerto é a inversão total do processo, onde ao invés de partir de um projeto complexo e teórico de modelagem plana para criar o volume, partimos do decalque do volume tridimensional para o plano.

A roupa é uma segunda pele. Para criar-se esta segunda pele, a roupa, é imprescindível entender a primeira pele. O processo Jum Nakao de modelar tem a pele como ponto de partida.

O aprendizado é através da experiência e não da fórmula. Fórmulas emburrecem e encarceram o pensamento humano em suas possibilidades criativas. Precisamos libertar o pensamento humano. Somente através do entendimento e percepção da lógica por detrás das fórmulas é que podemos ser criativos.

Maximus Tecidos: Além de ter seu atelier, você ainda promove cursos e palestras. Por que decidiu ensinar o que sabe?

Jum Nakao: Acreditamos na inclusão através da capacitação. Nesse sentido, realizamos oficinas e workshops pelo Brasil e pelo mundo, sempre a convite de organizações e instituições. Nesses workshops abordamos de forma democrática e acessível o processo criativo e de construção de roupas, desde a modelagem até a exposição final das ideias e conceitos.

Conhecimento não pode ficar parado, tem  que ser movimentado, transferido, aplicado. Conhecimento em movimento gera conhecimento e movimento. Assim como já dizia o profeta: gentileza gera gentileza.

Maximus Tecidos: Como os interessados fazem para participar dos seus cursos? Qual a periodicidade e o valor de investimento?

Jum Nakao: Para participar e saber periodicidade e informações completas dos workshops, os interessados devem acessar o link: www.jumnakao.com.br/cursos  

Maximus Tecidos: Seus cursos atendem tanto profissionais iniciantes quanto avançados? Como é dar aulas mesmo para estilistas já consagrados?

Jum Nakao: Qualquer pessoa é capaz de modelar. Para cursar o Workshop Metodologia Jum Nakao Modelar Módulo I não há pré-requisitos: não se requer qualquer conhecimento de técnicas de modelagem.

O conhecimento é libertador. Em geral os estilistas já consagrados estão confinados em pensar dentro do “quadrado”, a desenhar (sonhar) dentro de mapas antigos e limitados a fórmulas prontas.

Para os iniciantes é mais fácil o aprendizado, a liberdade em não saber é maior do que o aprisionamento no conhecido.

A descoberta proposta pelo Workshop Metodologia Jum Nakao Modelar aos estilistas consagrados e iniciantes é a percepção da volumetria do corpo no espaço e suas infinitas possibilidades de vesti-lo a partir de uma visão escultórica e volumétrica de linhas e traços no espaço formando aquilo que conhecemos como roupa.

No Workshop Metodologia Jum Nakao Desconstruir,  ensinamos estilistas consagrados e iniciantes como desconstruir, reformular, resignificar referências.

É fundamental desconstruir mitos, decodificar as inspirações, para se tornar uma referência.

Somente através da desconstrução de referências é que é possível responder ao enigma:

Decifra-me ou devoro-te!

Criar um figurino para um filme ou um espetáculo, criar uma produção de moda, para uma foto publicitária, um evento, uma vitrine, ou criar um desfile são possibilidades do mesmo processo.

No Workshop Metodologia Jum Nakao: Figurino, Desfile, produção de Moda revelamos o processo criativo de um diretor de arte, de um diretor de criação.

Desenvolvemos a capacidade da estruturação de um raciocínio capaz de criar imagens com a potência de contar uma história, de traduzir com precisão a personalidade e os pensamentos dos personagens.

Ensinamos como conceber figurinos que atuam como extensão dos gestos em conexão com o entorno, como alcançar a perfeita integração com a cenografia e a fotografia para construir imagens marcantes.

Ao término de um espetáculo, são as imagens que permanecem em nossa memória. E são essas memórias que sobrevivem ao tempo.

É sempre bom lembrar: Uma imagem vale mais do que mil palavras.

Maximus Tecidos: Qual sua visão do mercado da moda e costura no Brasil? O país tem sido criativo ou ainda está muito refém do que é produzido fora?

Jum Nakao: A moda brasileira evoluiu muito. Hoje temos um calendário oficial, escolas e semanas de moda por todo o Brasil, polos de moda estruturados, etc.. O conteúdo como sempre é modulado pelas demandas, afinal, quem manda é o consumidor.

Consumir é um ato político. Através de nossas escolhas conferimos poder. Conferir poder às empresas e produtos sem comprometimento com o país, com a sociedade, com a ética, com o meio ambiente é se vender por preços mais vantajosos, é se vestir de aparências sem caráter, é querer levar vantagem pessoal, é o pensamento individual  acima do sonho de uma nação. Precisamos mudar nossos valores. Somente assim haverá um mercado de moda digno no Brasil.

(Obs.: Falando em brasilidade, não tem como não citar o Reality Project – A Hora do Brasil)

Foram 20 profissionais selecionados na busca de definir um conceito, descobrir caminhos, experimentar novas técnicas, compreender possibilidades, sonoridades, texturas, cores, luzes
A coleção foi desenvolvida em quatro dias, durante uma semana de moda
Uma corrida contra o tempo para produzir! Modelar, costurar, bordar, estampar, provar, ajustar, recomeçar, finalizar, desenvolver acessórios, maquiagem, cabelo, ensaiar e por fim compartilhar o sonho, torná-lo realidade. É hora do desfile!

Maximus Tecidos: Quais conselhos daria para quem está começando a atuar nessa área hoje? Investir em que?

Jum Nakao: No mundo como um todo, percebemos um anestesiamento geral. Uma indiferença generalizada sobre processos e essência. Cada vez mais necessidades cavalares de efeitos especiais e culto ao ego para sensibilizar o público. Não se vive mais a própria história, terceirizamos nossa existência para avatares personificados por terceiros.

Os desejos do mundo moderno substituíram os sonhos individuais por modelos reproduzidos sem limite de cópias. Não se sonha mais, se consome produtos sem autenticidade e incapazes de nos reconectar com nossa humanidade.

Os valores criativos se tornaram extremamente materiais e numéricos. Falta foco em educar o público para absorver além do que é percebido na superfície e perceber o conteúdo imaterial dos produtos. Valoriza-se daquilo de que é feito,  quanto custa e se esquece que o principal não está no do que é feito, mas no como é feito, por que é feito, com que intenção que é feito. O processo criativo atual se resume em como inserir produtos novos dentro de um sistema velho. Não se repensa o sistema. O processo criativo se torna mecânico, estático.

Os novos focos criativos devem contemplar valores imateriais e a transformação das pessoas. Somente transformando, formando, o indivíduo se transforma a sociedade e seu entorno. A partir desta reflexão, se pensariam em novos produtos capazes de propiciar a mudança, e não na reprodução sistemática de produtos.

A evolução tecnológica e científica nos aproximou da máxima possibilidade da existência humana, rompendo inúmeras barreiras e facilitando o nosso dia a dia. Tudo nos é lícito e permitido, quer seja para o bem ou para o mal.

No campo da linguagem não há mais fronteiras. Não se define mais o gênero pelo suporte. O que define cinema ou vídeo não é mais a utilização do filme, assim como cozinhar não requer mais o fogo. Nunca se produziu tanto em tão pouco tempo.

De forma antropofágica arte, moda, cinema, música, literatura entre outros, bebem em diversas fontes, sem pudor ou falsa ideologia. O que se busca é a melhor linguagem para o significado ou, simplesmente, o máximo da forma.

Na busca da melhor linguagem para o significado, despertamos afetos onde não havia, pavimentamos caminhos para o pensamento descobrir a essência.

Na busca pelo máximo chegamos no vazio. O mínimo de conteúdo, o máximo apenas na forma.

Parte da sociedade se corrompeu pela forma e se afastou da essência humana, se tornou vazia, sem alma, sem humanidade. Sem valores como ética, moral e esperança, esses personagens se tornaram os protagonistas principais dos espetáculos da degradação humana vastamente explorados pelas mídias.

Outra significativa parte da sociedade, com valores éticos, morais e esperança anseia por conteúdo, serviços e produtos com excelência humana.

As grandes obras primas, os mestres, não existiriam se não houvesse esse público, essa demanda por excelência.

Precisamos definir e honrar nossos valores na defesa de princípios, somente assim lapidaremos o mundo que queremos viver, de outra forma, mesmo calados, serviremos ao mundo que não queremos.

O caminho para atuar e investir deve ser na valorização dessa dignidade.

O criador deve estar conectado com o entorno, fora da redoma, criar para o mundo em interação com a sociedade e estabelecer diálogos abertos e multiplicadores, e assim propiciar  o crescimento das pessoas, para que elas possam aprender e aprimorar suas referências.

Confira a entrevista do Jum Nakao para a Rádio da Costureira aqui!

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Comentários

3 respostas

  1. Jum Nakao, você conseguiu em “poucas” palavras expressar que um artista de moda pode ser mais profundo que todo o glamour. Levar o que sempre ou quase sempre é visto como fútil, a um patamar da busca pela qualidade, o auto-respeito como principios basicos do ser humano. Gostaria muito de poder fazer um curso com você. Parabéns e muito obrigada.

  2. Jum Nakao, através dessa entrevista pude perceber o quanto não sei nada de moda e o quanto anseio em aprender, concordo quando você diz que conhecimento em movimento gera conhecimento e movimento e eu quero continuar conhecendo tudo sobre moda em todos os aspectos.

  3. Amei a matéria.
    Jun Nakao prova nessas maravilhosas palavras que o ser humano pode ter jeito. Que Jesus continue o abençoando e a outras pessoas para que o ser “artista” seja realmente o artífice da humanidade. Poucos pensam no bem estar comum, como foi dito. Muitos ainda acham que ganhar de forma desenfreada é o certo, o justo. Devemos pensar no ser humano como família divina; para as quais a irmandade, a solidariedade e a fraternidade sejam a meta em busca do bem estar comum. Parabéns a Maximus e ao Clube da Costureira.

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